domingo, 25 de julho de 2010

Delírio

"Eu esperei Michel entrar na cozinha e, assim que sua vista estava fora de meu alcance, levantei e me livrei dos cobertores que me aqueciam para andar pelo gigantesco “castelo”. Era tudo muito rústico e antigo, parecia pertencer a uma outra década. Caminhei bastante pelos corredores observando cada detalhe até me deparar com a escadaria.
Feita de mármore escuro, a escada dava um aspecto sinistro àquele lugar. Senti uma curiosidade crescer dentro de mim e subi os degraus para ver o que tinha no segundo andar. Caminhei um bom tempo pelos corredores escuros, sentindo um calafrio percorrer meu corpo a cada passo que eu dava.
Minutos depois, tinha chegado a um dos quartos da casa. A porta estava entreaberta e eu, no auge de minha curiosidade incontrolável, abri-a por completo. Havia uma enorme cama estilo king size, paredes pintadas de branco, iluminação quase escassa. As janelas eram enormes e iam da altura do teto até o chão, e eram cobertas por cortinas num tom de vinho. Não havia televisão dentro do quarto, apenas um piano enorme e preto encostado numa das paredes. Os armários eram enormes e feitos de uma madeira escura e bonita, mas que não deixava de contribuir naquele visual misterioso.
Em uma das paredes brancas daquele quarto enorme, havia um espelho. Um espelho grande e com uma moldura em ouro antigo ao seu redor. Aproximei-me para ajeitar o cabelo. Minha figura não era das melhores: o bronzeado do verão na praia já começava a se dissipar e dava lugar à palidez típica do outono/inverno. As olheiras da minha noite anterior e mal dormida ainda estavam bem intensas. Meu cabelo enorme estava um tanto quanto despenteado, e meu moletom não contribuía em nada para ajudar no visual. Parecia que eu tinha acabado de acordar...
Passei as pontas de meus dedos gélidos embaixo dos olhos, bem onde o aspecto arroxeado se encontrava. Estava ocupada na simples atividade de me observar quando ele apareceu.
Era o dono do quarto, pensei. Pulei de susto ao me deparar com sua figura no espelho bem atrás de mim. Ele me fitou com uma expressão de ódio intensa que me fez encolher. Se aproximou, sem encostar em mim.
Era parente de Michel. Disso eu tinha quase certeza. Não arriscaria dizer que era seu filho, pois Michel não parecia nem de longe ser pai de um garoto com cerca de vinte anos. Mas poderia ser seu irmão mais novo... Podia ver o parentesco nos traços finos de seu rosto, no ar aristocrático e até mesmo nos admiráveis olhos azul-marinhos. A pele era branca como a de Michel, quase igual à de meu estranho novo colega. Só que ele era mais bonito: não era tão pálido – podia ver no rubor leve de suas bochechas e nos lábios extremamente vermelhos. Os cílios claros eram tão enormes quanto os meus, e dava uma graça ainda maior ao seu olhar misterioso. Os cabelos eram lisos e despenteados, e muito claros: um tom curioso de loiro-acobreado.
Ele me fitava com a mesma intensidade que Michel, só que me estudava muito mais. Levei as mãos até o espelho, tocando-o, como se quisesse tentar alcançá-lo.
Ele sorriu com meu gesto, aliviando por completo a expressão furtiva no rosto. Um sorriso aberto e sincero – e perfeito. Para desnortear qualquer mulher... E feito isso, levantou as mãos, tentando alcançar as minhas ainda coladas ao espelho.
Seu toque nunca chegou a mim, pois bem na hora que ele o faria a porta foi escancarada. Michel estava ali, atrapalhando o reflexo de meu companheiro.
- Valentina, o que está fazendo aqui?
- Ah, eu estou olhando o quarto. Estava bem aqui com esse...
Bem na hora em que me virei para apontar para o garoto, deparei-me com o vazio.
Arregalei os olhos assustada. Era a segunda coisa sinistra que me acontecia no dia. Senti um tremor percorrer meu corpo.
- Michel, eu juro! Tinha um garoto aqui agora mesmo! – respondi assustada.
Ele suspirou e deu um sorriso calmo.
- Venha, sua avó está te esperando.
Ele ergueu a mão para que eu a segurasse. Quando ele começava a me conduzir para fora do quarto, deparei-me com um retrato em cima da escrivaninha. O garoto perfeito, de cabelos louro-acobreados e olhos azul-marinhos sorria feliz.
- Aqui – disse fazendo força para Michel parar de andar – Olha: esse era o garoto que estava aqui no quarto.
Eu apontei para o retrato. Michel ficou paralisado, os olhos arregalados indicavam uma expressão de susto, pânico.
- Não pode ser. Você está louca!
Ele praticamente gritou a última frase. Eu recuei assustada.
- Não estou não – disse envergonhada – Eu juro, esse garoto estava aqui comigo antes de você chegar.
- Não, Valentina! – insistiu ele – Tem alguma coisa errada, não é possível!
- O que não é possível?! – gritei.
- Esse era meu sobrinho Nicolas. Você só pode estar delirando quando diz que o viu aqui!
- O quê?! E por quê?!
- Porque Nicolas morreu há muitos anos atrás".



OBS: tomei a liberdade de postar um trecho do livro que estou escrevendo. E que vou publicar algum dia, se Deus quiser!

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